terça-feira, 20 de abril de 2021

fico feliz que esses vídeos existem no youtube

pra este post vou fazer diferente. 

quero dividir com vocês, leitores anônimos, o que me move, o que me sustenta, o que me dá alegria neste planeta cruel e lindo. nesta ocasião, vou arrolar os meus vídeos favoritos alocados no grande servidor do youtube. 

o critério de seleção é altamente subjetivo, basicamente são só vídeos que me divertiram, me fascinaram, que me deram um quentinho no coração. então, eles não foram escolhidos porque são históricos, relevantes ou esteticamente necessários - dessa vez não é sobre isso, rs.

os vídeos a seguir foram selecionados porque me trouxeram um arrebatamento, um profundo sentimento oceânico de completude com a humanidade. me fizeram pensar: 'que maravilhoso que isso aconteceu e foi capturado em vídeo'. 

SPOILER ALERT: vai ter um monte de vídeos de gente dançando. 

avisos dados, vambora com essa lista:


1. Suburban Lawns - Janitor

eu amo tudo nesse vídeo: o amadorismo, o nervosismo, a coragem, a esquisitice. o verso i guess everything is irrelative. ah!

sabe, eu tenho fases em que eu fico intensamente obcecada (lua em áries!!!!!!) com algum fenômeno cultural e depois desencano com a mesma facilidade (l-u-a  e-m  á-r-i-e-s): já perdi semanas com o punk, perdi anos com o pós-punk, horas com a cena gabber holandesa, com a guitarrada, com dub e recentemente com a pisadinha. esse vídeo é da época que eu estava viciada na cena punk de los angeles, em particular. o suburban lawns é envolto de mistérios, lançaram um disco e sumiram. quer dizer, não foi muito bem assim que aconteceu, mas de fato a banda não tinha altas pretensões, não queriam uma carreira longa. e eu acho isso lindo*. a vocalista tinha 16 anos na época desse vídeo e parece que tem uma galera que quer saber por onde ela anda. enfim, eu acho incrível que essa banda existiu. 


*me perguntem se eu acho que o sex pistols devia ter lançado um disco. minha resposta é: NÃÃÃÃO!!!!


2. Passinhos dos anos 80 e 90


minha missão nesta terra é encontrar vídeos dos chamados 'passinhos'. dançar é uma coisa que eu amo fazer mas sou terrível (não estou sendo fofa e modesta, eu danço esquisito bagarai). dancinhas coordenadas e da moda são a minha kriptonita, amo amo amo. a ideia de uma boate inteira dançando de maneira sincronizada e em perfeita sintonia...é mágico. 


3. Jesus and Mary Chain North London Poli Riot


musicalmente, a década de 1980 no norte global foi horrível. credo. eu amo esse vídeo porque ele captura um momento de transição na cena musical britânica - o punk tinha implodido, pós-punk definhado e ainda não tinha acontecido as raves -, jesus and mary chain foi fundamental para dar um susto nas pessoas, acabar com a complacência do pop thatcherista da época. eles eram sujinhos, antissociais e muito, mas muito barulhentos. o que me fascina neste vídeo é a arrogância, os tiques causados pela cocaína, a raiva das pessoas. é bem dadaísta delícia.


4. Talking Heads @ Mudd Club, NY 1979



aaaaah! deus abençoe esta alma caridosa que liberou esse vídeo. eu quero morar nele. eu lutaria contra exércitos por ele. enfrentaria desertos e oceanos por ele. que bosta que viagem no tempo** não existe, serião. mais do que a própria banda, eu gosto da energia da plateia, tipo, quem são esses alienígenas, saca?! por onde andam essas pessoas? o que será que aconteceu com elas? será que elas estão vivas? será que são felizes? 


** cidades que gostaria de morar de acordo com as décadas: 1960: londres; 1970: los angeles; 1980: nova iorque; 1990: são paulo; 2000: berlim.


5. Gaiola das Popozudas - Agora eu sou solteira

o jeito que a Valesca desliza pelo palco, com um sorriso na cara, dançando e cantando simplesmente acaba comigo. eu nem consigo colocar em palavras o quanto eu queria ser esse vídeo. eu tô fazendo terapia para me transformar na Valesca e ser igual a ela deslizando alegre e tranquila pela vida e é isso.


6. Dance Yrself Clean live


se na revolução eu não puder dançar Dance Yrself Clean, EU NÃO QUERO FAZER PARTE DESSA REVOLUÇÃO. ponto. esse vídeo captura um fim. um fim que na verdade é um começo. o começo do interregno. pode reparar: depois desse vídeo*** deu tudo errado (é de 2011, *risos sem graça*). mas, apesar de ser intenso e meio melancólico e meio perturbador eu o amo profundamente, queria pular com geral e exorcizar uns demônios pessoais aí. 


***quem não aguentar até os 5:20 não merece os minutos restantes.


7. The Cramps - Tear it Up @ Urgh! A Music War


tese: lux interior (o vocalista) é o Dionísio encarnado. sem mais.


8. Fugazi - Suggestion, 1991


meus abraços calorosos a todos os straight-edges por aí. ceis são uns fofos, nunca mudem. bom, eu amo essa música e particularmente gosto dessa performance porque é catártico pra mim. a Livia de 15 anos agradece a existência desse vídeo. essa banda podia ser a nossa vida. vale a pena ver por causa da galera toda no palco, sem hierarquia, com uma vibe de comunhão e comunidade. sim, amo ciranda, tá.


9. Nina Simone and Emil Latimer - Black is the Color of My True Love's Hair, 1969


não consigo descrever o quanto eu amo esse vídeo. eu me arrepio toda vez que assisto, como se fosse a primeira vez. é uma das coisas que testa meu ateísmo, sabe? muito difícil não acreditar no divino depois de testemunhar tal maravilha. mas não é esse o barato do ser humano? a gente inventa deuses para explicar o tanto que a gente é foda, como a gente é capaz de coisas mágicas e estonteantes. 


10. 1990s Drum and Bass Club, People Dancing With the Lights On


eles só pensam em dançar, dançar, daaançaaar. não é precioso que ninguém queria ir embora, as luzes se acenderam e todo mundo continuou dançando? gente! eu choro****, sério.


**** canceriana aqui, não preciso de muito para chorar não. manteiguinha derretida 4life.


BÔNUS BÔNUS: 1989 Illegal Acid House Rave, em algum lugar do Reino Unido


falei que praticamente só ia ter vídeo de gente dançando nesse post, vocês foram avisados, lavei minhas mãos. 

e o que dizer sobre esse? é essa a cara da democracia socialista, bebê. 

minha utopia é essa: todo mundo dançando, com todas as seguranças materiais básicas e dignidade garantidas, cercados de beleza.


é só isso por hoje, pessoal. tchau tchau <3

segunda-feira, 12 de abril de 2021

não deixe a crítica morrer, não deixe a crítica acabar

eu estou irritada com um certo tipo de discurso sobre a cultura e resolvi inaugurar este blógui com um post sobre isso.

vamos lá, então. 

me preocupa muito a miséria da crítica atual, em outras palavras, eu estou convencida de que há um movimento de neutralização de qualquer tipo de negatividade, de qualquer tipo de mal estar com a cultura pop. 

não está satisfeito com o novo filme da Mulher Maravilha? buuuu, sem graça, cê não entende de nada. tá achando que as músicas andam muito repetitivas e mornas? sai daqui sua adorniana sem graça.

o que se segue é uma tentativa de compreender o porquê não se pensa criticamente a cultura pop ultimamente, vindo de uma pessoa que vive pra isso, que não consegue conceber um mundo sem o pop. uma pessoa que tem como crença fundamental o seguinte: uma vida sem o novo single da charli xcx ou sem 'paid in full' do eric b. & rakim não vale a pena ser vivida. portanto, é crucial que o debate crítico dessa forma seja engajado e interessado, e que a crítica é um tipo de linguagem de amor. eu critico porque eu ligo. 

vamos delimitar os termos do debate primeiro. vou começar com a minha concepção de cultura pop, depois o que entendo por crítica e vou tentar te convencer que tudo isso importa. 

eu me criei com a mtv. citando a fala daquele doido do 'o pentelho': a mtv era a minha babá. me lembro distintamente de assistir o clipe de 'heart of glass' e pensar que a debbie harry era a mulher mais linda do mundo; de escutar 'how soon is now' e ficar confusa e com medo* daqueles sons, mas ainda sim fascinada. queria me perder naquele universo musical, passar o dia inteiro só sentindo as palavras, as vozes, os ritmos, as melodias. eu achava que a música podia mudar o mundo, afinal tinha mudado o meu. sempre gostei dos comentários dos críticos, de documentários que contextualizavam os artistas e os álbuns. como o disco 'nevermind' foi uma ruptura com o passado do rock, mas não poderia existir sem ele. como 'anarchy in the uk' abalou o reino unido e quase rompeu o tecido social daquela cultura. como 'the message' foi uma revolução musical que alterou profundamente a indústria fonográfica. o pop é, desde que o conheço, uma força de mudança. é moderno ou não será. 

aviso: não estou passando pano para as condições de produção e de circulação da música pop, muito menos tirando o das gravadoras da reta. nem estou implicando que o pop é revolucionário politicamente, muito pelo contrário. mas, segura esse raciocínio aí.

mais tarde, já tendo lido lester bangs, ellen willis, greil marcus, simon reynolds e tantos outros mais, eu me convenci de que sim, a música pop importa e transforma vidas. mas não quero que vocês interpretem que estou dizendo que a música pop, por si própria, tem o primado da subversão - não, não tem a ver com isso. eu acho que ela canaliza energias libidinais, e que ao fazer tal coisa pode ser um veículo ou uma aliada importante na criação de outros mundos. vide essa análise maravilhosa. 

o fazer político é de outra ordem, é outro trabalho. trabalho quase que ingrato porque é lento, é chato e envolve o empreendimento em ações coletivas que assustam o nosso psiquismo. a música pop não faz e nem deve fazer esse trabalho político de análise, de organização e de transformação. mas ela pode ser a fagulha desse desejo de emancipação. 

o argumento daí de cima não é só meu. vem da grande e saudosa ubercrítica ellen willis que diz o seguinte em Sex, Hope and Rock and Roll: 

Implicit in the formal language of mass art is the possibility that given the right sort of social conditions, it can act as a catalyst that transforms its mass audience into an oppositional community.

i.e. criticar é canalizar, dar coerência, dar sentido ao que a música veicula. o papel da crítica é de interpretar e contextualizar o que essa forma está fazendo no mundo, quais são as forças que ela mobiliza, que desejos estão sendo suscitados, - o que esta música diz sobre o nosso mundo? o que ela faz nesse mundo?

agora, se não tem a possibilidade de articular essa escuta e de debater todas essas coisas, como é que a gente vai saber o que está acontecendo? como vamos elaborar coletivamente quem somos nós e para onde estamos indo? 

eu acho que a resposta está entre as condições técnicas contemporâneas que, por sua vez, condicionam as possibilidades sociais e culturais. isso se desdobra em: i) o que está faltando em nossa cultura hoje é a tal da negatividade, é alguém chegar e dizer o que está errado, o porquê está tudo uma merda. só a crítica é capaz de articular essa negatividade, esse NÃO ESTÁ TUDO BEM NÃO, TÁ; ii) a maioria do consumo de bens culturais hoje se dá por meio de plataformas a base de algoritmos do tipo 'se você gosta de x, então y' o que francamente me causa espanto que o sistema não colapsou. às vezes já colapsou e a gente nem viu, né, tem isso. é impossível o funcionamento de uma cultura pop fundamentada somente no que se gosta, sem a oposição, sem a fricção, sem o choque do novo. o pop saudável tem que incomodar, tem que assustar.

francamente, como assim se eu gosto de nick cave eu tenho que ouvir tom waits? se eu escuto nick cave é ÓBVIO que eu escuto tom waits. quando eu vou no youtube tenho uma agonia porque os vídeos recomendados são só de coisas que eu conheço ou já escutei. parece que há uma parede invisível entre todas as outras alteridades musicais possíveis e os sons altamente familiares e enfadonhos. fora o branco que dá na gente ao pesquisar alguma coisa. credo, que inferno.

ó deus, me liberte da tirania de ter meus gostos reforçados continuamente! 

não existe mais aquela terra sem lei do youtube em que você escutava tangerine dream, depois era sugerido vashti bunyan, depois zia atabi e depois zé ramalho. isso não existe mais. é tudo blé. como o novo pode surgir nesse cenário monstruoso?

por isso a crítica é necessária: alguém vai ter que dar voz a esse mal estar cultural e dar sentido às irrealidades que estão se desdobrando diante de nós. eu imploro: não deixe a crítica morrer, não deixe a crítica acabar; o pop foi feito de crítica, de crítica para a gente criticar.


* a autora também morria de medo do chico science, do gene simmons do kiss e desse clipe do u2.

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