sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

músicas do BTS como conceitos de Mark Fisher: sim, eu estou doida

Imagens reais de um simpósio sobre como BTS destruiu o pop imperialista. Universidade de Goldsmiths, Londres, 2022.


Desde que eu cai no buraco do BTS (gente, repito: que delícia! tô amando! motivo principal hehe), eu criei uma linha do tempo alternativa em que alguém mandou Cypher pt. 3 para o Mark Fisher e a tongue technology do Yoongi derreteu o cérebro dele e pronto! Ele entrou para a facção mais perigosa do multiverso: ARMY.

 

Com este cenário em mente, essa que vos escreve teve a brilhante ideia de lançar uma série de posts de música dos Bangtans e os conceitos correspondentes do nosso crítico favorito. 

De nada e desculpa!

Pra começo de conversa, vou argumentar porque Fisher poderia ser ARMY. 

Motivo 1: BTS enquanto mito. De underdog que virá pica das galáxias, indo contra o sistema (monopólio das três gravadoras gigantes do k-pop), eles mudaram o jogo completamente. Ou seja, é uma história de Superação de um bando de meninos completamente doidos, porém ambiciosos, com um desejo só: fazer a Revolução. kkkkk okay, fui meio longe, mas eu já tô meio que preparando vocês para esperar esse tom e besteiras desse tipo nos milhares de caracteres que vão ser despejados neste blógue.

Mito ou não, a história do bts é bem interessante: verdade que começaram em uma agência/gravadora independente* e agora é a boyband mais famosa do mundo, com a idade dos fans variando entre 8 e 80 anos. 

Motivo 2: a sinergia coletiva rizomática entre eles e ARMY, mostrando que nem sempre a multidão é perigosa, ao contrário da opinião de muitos demagogos por aí. Ou seja, há um exército todo a nossa disposição (gente, bora construir um movimento socialista com fãs de k-pop, não temos nada a perder a não ser nossos grilhões). 

Motivo 3: como um bom audiófilo, Fisher piraria com as músicas porque a paleta sonora híbrida vai de ambient/indie rondológico ("134340"), UK Garage ("Trivia: Just Dance"), passando por d&b ("I'm Fine"), old skool hip-hop (duh, músicas da rap line) e neo soul ("Singularity"). Nessa bagunça totalmente organizada tem até umas pitadas de ritmos e timbres latinos ("Blood, Sweat & Tears" e "Airplane pt. 2") e formas musicais tradicionais coreanas ("IDOL", "DDaeng", "Daechwita"). 

Ai, BTS é bom demais, pqp. 

Ah! Outra coisa que derreteria o coração do Fisher é o fato de eles terem sido considerados feios** quando debutaram e bregas por fazerem rap. Como o mundo dá voltas, não? (Tá tocando Cypher pt. 4 aqui).

Sem falar dessa campanha toda do Love Yourself que traria uma lágrima nos olhos do crítico inglês canceriano: "isso mesmo, o capital fala que a gente não serve pra nada, mas foda-se, amem a si mesmos!". Tá, eu pirei um pouco agora (de novo!), mas acho que ele compararia essa brisa com aquela atitude desafiadora mod de se vestir bem e praticar o auto-cuidado como estratégias anticapitalistas. 

Mas enfim. Continuando.

Fisher os acharia punk, e de fato, podemos traduzir BTS para o panteão punk se os considerarmos como um amálgama das principais tendências exemplificadas por bandas como Buzzcocks (melodias pop irresistíveis), The Jam/The Clash (consciência de classe e ódio de classe) e Sex Pistols (um grande foda-se para o complexo militar-industrial-de entretenimento). 

Especulando um pouco sobre, hmm, as preferências, acho que o bias dele seria o Suga, porque ele é tipo um Mark E. Smith*** versão idol (um dos heróis do Fisher) e o bias wrecker seria o J-hope, porque ninguém resiste a esse raio de sol (evidências: Outro: Ego e a mixtape Hope World, verdadeiras obras de arte). 

Yoongi mandando a real. Ele é um gostoso, né?

Mas no fundo, no fundo, como toda boa ARMY ele seria OT7. Ele adoraria, além do Suga e J-hope (FISHER FANFIQUEIRO SOPE BIASED):

  • A inteligência e o comprometimento ético do nosso idol comunista favorito, RM; 
  • a voz doce e sobrenatural da nossa femme fatale irresistível, Jimin; 
  • o disposição tranquila de tradição spinozista e a beleza etérea de Jin; 
  • o sorriso de coelhinho (Fisher estaria propenso a ser uma fangirl como qualquer uma de nós) e a voz arrepiante de Jungkook; 
  • e a irreverência excêntrica e dândi do V. 

Sobretudo, iria adorar os passos ninjiskianos que o grupo executa com tanta precisão e alegria e os sons delirantes de suas músicas.

O motivo subjacente a esse post, se já não tenha ficado claro, é: na real, tudo isso é uma homenagem a um pensador que ajudou a me formar e aos motivos atuais de minha alegria (O sorriso do Teteco BTS! BTS! BTS!).

Okay, uma nota sobre a metodologia: literalmente escutei as músicas e fucei nos escritos do Fisher. Só isso. Basicamente, vou combinar músicas do BTS que exemplificam os conceitos que considero mais interessantes, e sei lá, acho que dissertar um pouco sobre eles? 

Vamos ver se eu consigo porque eu ando completamente mais maluca do que o normal. 

Ah, usei essa "tabelinha" de guia:

créditos a @k_punk_unlife

O próximo post, por ser uma introdução, é sobre o conceito de modernismo pulp, que era o pilar do projeto teórico-estético do Fisher. Para os próximos (aviso: sujeito a alterações) quero falar sobre:

  • realismo capitalista (BTS destilando ódio de classe, sexy);
  • hauntology/assombrologia (spotlight no agust-d, uhul);
  • e desejo pós-capitalista (comunismo ácido! dissertação de 10.000 palavras sobre Telepathy! eba!). 

Vão ter alguns interlúdios com certeza, porque o tio Fisher era muito produtivo para criar conceitos, mas já fica o alerta de spoiler: vai ter post sobre músicas de amor (uwu), um ensaio sobre a escolha estética pelo hip-hop enquanto sonoridade e conceito principal do grupo, e posts especiais sobre cada membro da rap line (gente, vou tentar me segurar no do Namjoon, meu gêmeo e alma gêmea. Te amo, bro!).

Bom, só uma palhinha sobre o Mark Fisher antes. 

O que informava o senso crítico e estético do tio Mark era se o objeto, obra, etc. em questão (sempre considerado de maneira integral: forma e conteúdo articulados) rompia com o status quo. Se ele rasgasse o tecido da alienação e revelasse o sinistro e loucura subjacentes à realidade surreal produzida pelo hipercapitalismo. Em outras palavras, ele gostava é de desloucar a alienação de cada dia. 

Por isso, tal música, filme, série tinha que ser intenso e meticuloso, estranho e popular para cortar essa cortina de névoa. Porque era justamente isso o que tinha capturado sua atenção nos últimos anos de sua vida: como a gente vai sair dessa. Ou melhor, como podemos criar o desejo para o pós-capitalismo, criar um plano de vitória, ganhar o mundo

Como ele colocou de maneira bem eloquente, nós seres humanos somos todos "tortured monkeys in hell" e faz muito bem entender as causas desse sofrimento coletivo (spoiler: é o capitalismo, bicho!), inventar o futuro e sair de vez dessa bad generalizada.

Mas tem uma fofoquinha de bastidores que é a seguinte: o tio Mark se distraiu enquanto escrevia sobre o comunismo ácido com um outro projeto sobre canções de amor (por isso o interlúdio romântico uwu. Agora toca DNA, por favor!). 

Não é super coerente com o projeto estético do BTS? Não?! Espero convencer vocês com essa série.

Agora já deu, cansei. Próximo post sobre é sobre o modernismo pulp. 

Tchau! Tchau!



Bibliografia básica (todos estão disponíveis naquele site soviético russo bapho que ajuda, nós pobres e fudidos, a não dar dinheiro para as editoras fds capitalistas sem vergonha):

Capitalist Realism: Is There No Alternative?. Winchester: Zero Books, 2009. 

Ghosts of My Life: Writings on Depression, Hauntology and Lost Futures. Winchester: Zero Books, 2014. 

Post-Punk Then and Now (editor, with Gavin Butt and Kodwo Eshun). London: Repeater Books, 2016. 

The Weird and the Eerie. London: Repeater Books, 2017. 

k-punk: The Collected and Unpublished Writings of Mark Fisher (2004–2016) (edited by Darren Ambrose, foreword by Simon Reynolds). London: Repeater Books, 2018.

Postcapitalist Desire: The Final Lectures (edited and with an introduction by Matt Colquhoun). London: Repeater Books, 2020. 


*sim, tô ligada que a BigHit tinha subsídio do governo. Fisher amaria que o estado sul-coreano dá dinheiro para fomentar o soft power. era esse o comunismo que ele queria hahaha.

** pecado! mas quem ri por último, ri melhor: a visual line tem os dois caras considerados os mais lindos do mundo.

*** gente tudo conspira a favor do Fisher ARMY: Mark E. Smith era pisciano assim como o Yoongi! Mais evidências para o argumento, favor olhar isso aqui e isso aqui. Também acho que Daegu e Manchester tem a mesma vibe: como cidades polos da manufatura, os fantasmas das vidas arrasadas pelo capitalismo industrial assombram a cidade criando ressentimentos políticos, sendo que a situação só piorou com a desindustrialização. Mas esse post explicando isso aí vai ficar para outro dia, hehe.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

discos que me fizeram acordar pra vida

aproveitando a deixa dada pelos BTSs que me despertaram em 2021, quero compartilhar com vocês os discos que me fizeram acordar pra vida quando eu estava numa bad bizarra. para encurtar uma história longa, os anos de 2013 a 2020 foram muito difíceis pra mim (pra todo mundo, literalmente, mas esse blógue é meu e então eu posso ser narcisista SIM!). e como eu sempre fui uma pessoa viciada em música pop, nesses anos eu meio que escapei completamente do contemporâneo e entrei numa viagem esquisita, anacrônica e até meio esquizofrênica. basicamente entrei num buraco negro desprovido de deleites sônicos escapistas. eu só escutava música SÉRIA, DE QUALIDADE, DE PREFERÊNCIA NACIONAL, e só as gravadas antes de 1979.

o início dessa história esquisita começa com o meu envolvimento, assim que entrei na universidade em 2014, com um jovem revolucionário, adorniano PRA CARALHO que me fez entrar pra seita "música pop é um lixo, vamos só escutar Geraldo Vandré e Stockhausen". olha, eu não tenho nenhum problema com o Stockhausen, até gosto, afinal, já fui viciada em Neu! e Can e Neubauten e tive uma fase meio brega de escutar música industrial quando eu tinha 16 anos. nada me choca, ou melhor, se me chocar aí que é bom. agora, cá entre nós, eu tenho sérios problemas com o Vandré sim. não gosto, blergh. mas, de volta à história.

enfim, acho que eu estava muito apaixonada e, portanto, muito suscetível a ser trouxa e passei um pano danado para o meu príncipe comunista e deixava ele ditar o que era certo ou não de se ler ou de se escutar, ou de até mesmo de se assistir. claro que ninguém aguenta viver desse jeito e eu chegava a fazer playlists escondidas pra ouvir no estágio porque eu só queria escutar um smiths, uma kate bush em paz, sem ter que me justificar o tempo todo*. 

bom, sorrateiramente eu dava uma olhada no site da Dazed Magazine e tinha algumas iluminações, alguns flashes de cor no deserto escuro e frio que era o meu envolvimento com o pop do séc. XXI até então. momentos arrebatadores que me puxavam para o mundo real em toda a sua glória e sujeira e beleza. outras descobertas musicais, eu conseguia achar em um blógue ou outro de discos abandonados pelo fluxo da história e aí sim, me sentia eu mesma novamente. 

acho que a moral dessa história toda é: crianças, não entrem na universidade, só da merda. 

MENTIRA!!! ALERTA DE PARÓDIA, SARCASMO, IRONIA!!!!

é óbvio que é o seguinte: façam terapia, busquem se conhecer para que ninguém venha e te diga o que você deve ser e acabe te tirando a vontade de viver. 

hoje posso dizer que estou bem, mas não tem final feliz (ainda bem! a gente terminou, ufa!) tanto porque a vida não funciona de maneira teleológica e a Felicidade© não existe. o que existe são só momentos felizes instantâneos intercalados aos momentos lixos que inevitavelmente vão acontecer e assim caminha a humanidade. ainda tô aprendendo que a jornada é mais gostosa do que o ponto final dela. mas, eu espero com esse post compartilhar alguns desses pontos de luz e alegria (na forma de músicas pop) que tive ao longo desses anos difíceis. 

allons-y!


Rihanna - ANTi (2016)

esse disco foi um choque pra mim. eu conheci por meio da revista Dazed e fiquei só nele durante meses. eu não conseguia acreditar que um álbum pop podia ter qualidade e coerência total. sim, eu pensava que só o rock tinha a primazia do álbum-discurso e sim, isso é bem escroto de se pensar. lembrem-se: estava mergulhada no anacronismo elitista que se dizia passar por anticapitalista, mas que no fundo era só recalque. 

me perdoem. 



Patife Band - Corredor Polonês (1987)

esse faz parte daqueles discos que eu 'achei' naqueles saudosos blógues, aahn, de compartilhamento de músicas (faixa grátis). eu amo pós-punk e esta é uma obra prima da variante brasileira e se tornou uns dos meus discos favoritos. bônus: quando comecei a cantarolar algumas das músicas enquanto fazia trabalhos domésticos pela casa ou cozinhava, eu irritava o meu ex profundamente porque ele acha o Paulo Barnabé um babaca. ah, as pequenas rebeliões! ponto pras meninas!




Frank Ocean - blonde (2016)

esse aí acabou comigo. em 2011, channel orange era um disco que eu escutava muito, mas daí o Frank sumiu e me esqueci dele. quando a Dazed fez uma matéria com as influências do disco eu simplesmente TINHA que escutá-lo. me quebrou toda e me refez. sobrevivi 2016 por causa dele. 



Mitski - Puberty 2 (2016)

nossa, agora tô reparando que foi em 2016 que eu acordei pra vida. huh, que coisa não. enfim, eu fiquei viciada nesse disco por tais motivos: 1. quando eu era adolescente eu meio que fazia cosplay de riot grrrl, e esse disco é a versão atualizada dessa energia e 2. aviso: é muito ressentido, e 2016 foi o ano que o ressentimento ganhou. Happy é um hino.





Skepta - Konnichiwa (2016)

grime! grime! grime! meu estilo favorito e a melhor forma musical que surgiu no século XXI na minha humilde opinião (aguardando ansiouser o trio Suga/RM/J-hope inventar um estilo novo para desbancar o grime do pódio do meu coração 💣💥💖 depressa pfvr, lindos!). eu sempre fui stan da Boy Better Know e o Skepta é um gênio. esse disco é foda. é essa a explicação.


(não tinha um vídeo decente de 'shutdown', coloquei o rei sendo coroado com a mamis dele do lado <3)


The War on Drugs - A Deeper Understanding (2017)

eu não me lembro muito de 2017 pra ser bem honesta. acho que foi o ano em que prestei a prova do mestrado, então tá explicado. eu me lembro que eu escutava a BBC Radio 6 pra me distrair e tentar ficar a par das *tendências* e quando descobri essa música fui imediatamente escutar o álbum. eu gostei porque essa banda tem tudo para eu odiá-la: não gosto desse tipo de voz que o vocalista tem e eles parecem beber muito dessa fonte de Grandes Compositores Estadunidenses™, à la Bruce Springsteen, e tá aí um cara que eu não suporto. mas de alguma forma funciona neste caso específico e eu amo esta música em particular, queria que fosse eterna. muito esquisito. 2017 foi esquisito.


SOPHIE - Oil of Every Pearl's Un-Insides (2018)

Sophie foi a melhor coisa de 2018. eu acho que esse disco é obrigatório e se extraterrestres aterrissassem agora eu ia presenteá-los com esta obra como prova de que a humanidade tem jeito e a gente é muito foda quando a gente quer. fiquei muito mal com a sua trágica morte esse ano. tá aí uma artista que tinha muito pra fazer e dizer ainda (imagina uma collab entre ela e o trio RM/Suga/J-hope???). rest in power, comrade <3


100 gecs - 1000 gecs (2019)

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA !!!!!

eu fui instantaneamente atraída por uma propaganda desvelada matéria da Dazed que dizia que 'money machine' do 100 gecs foi eleita a pior música de 2019. o que me fez clicar instantaneamente no vídeo que acompanhava o texto. olha, seguramente devo ter escutado essa música umas dez vezes seguidas quando quando li a tal matéria. o meu cérebro entrou em curto-circuito e eu sentia que alguma coisa na minha vida precisava mudar, mas não sabia o quê. será que eu tinha que me livrar de um atraso de vida de 82kg??? será????? 👀


Perfume Genius - set my heart on fire immediately (2020)


salto quântico no tempo. 2020: fascismo, pandemia, crise ambiental, caos total. o relacionamento com o ex terminou em maio desse mesmo ano e eu voltei para a casa de mamis e papis pra lamber as feridas. mamis me deu de presente o spotify como um gesto de libertação, porque eu tinha esse discurso de que eu não ia contribuir com o capitalismo de plataforma, não senhor, onde já se viu, que absurdo, blá blá blá. (essa atitude ainda era uma tentativa desesperada de provar como eu era pura e ética para o meu Superego Leninista manifestado pelo tal ex adorniano, não tinha nada a ver com uma posição política bem fundamentada). Os algoritmos me recomendaram essa obra prima e foi o disco que eu mais ouvi no ano passado. é o Astral Weeks do séc. XXI, na minha humilde opinião. 


BREVE INTERREGNO DE HOMENAGEM À PC MUSIC

(que anda me acordando pra vida até hoje)






CHARLI XCX - VROOM VROOM




💥💥 NÃO ACABOU AINDA !!!! 💥💥


INTERROMPEMOS A PROGRAMAÇÃO PARA A PROPAGANDA ARMYISTA OBRIGATÓRIA**




agora acabou, beijos e fui 😻


* o mapa astral da criatura era inteiro em aquário. insuportável. acho que ele é um revolucionário de fato ou o anticristo. minha aposta é nesta última opção aí.

** estou seriamente aventando a possibilidade de, a partir deste post, sempre encerrar com vídeos do BTS pra alegrar vossos corações. já souberam das boas novas??? BTS EXISTE!!!!! 💜💖💜💗

quinta-feira, 27 de maio de 2021

eu (ou)vi o som do amor ou como eu me apaixonei por BTS

como resistir a essas criaturas? impossível! da esquerda pra direita: Jimin, J-hope, Jin, V, RM, JK e Suga.

quando a Clara me mandou escutar BTS pra ser mais feliz eu o fiz imediatamente porque 1. ela nunca está errada e 2. tinha se dado ao trabalho de me mandar uma playlist curada por ela mesma e quem sou eu para desrespeitá-la desse jeito e não dar pelo menos uma chance aos garotos. dei play. 

quando escutei os primeiros acordes de "Outro: Ego" meu coração disparou e deu aquele friozinho na barriga gostoso igual àquele que dá ao andar na montanha-russa ou quando nos deparamos com arte de primeira. dava pra sentir a serotonina, dopamina ou o que seja subindo na cabeça e fui tomada por uma alegria imensa e oceânica. pronto, o estrago tava feito. podem me incluir no A.R.M.Y porque agora eu sou cadelinha desses 7 meninos-homens maravilhosos. nunca fui tão feliz!*

eu espero com este post articular alguns pensamentos que eu tive ao mergulhar no universo lindo e maravilhoso dos BTS nesta última semana. lá vai!

bom, primeiramente, é muito bom. do ponto de vista musical, cada nota, cada timbre, cada sílaba é articulada e executada perfeitamente e nos dá uma experiência sonora tão sensual e rica que não encontramos por aí com facilidade nessa era desértica de música algorítmica. eu diria até que o som do BTS é uma mistura perfeita e irresistível entre o orgânico e inorgânico, entre o analógico e o digital. dá pra sentir o suor, o esforço humano em cada nota (e em cada passo de dança também). não é um trabalho feito por I.A. e jamais conseguirá ser (re)produzido por máquinas. é música demasiadamente humana feita para humanos. sendo que esses humanos criadores têm recursos infinitos e talento de sobra para criar tais obras super-humanas, é claro. agora, em termos de conteúdo, aaah! é altamente potente, sedutor, alegre... tem de tudo aí, letras sobre amor, sobre as angústias millennials de se viver no fim do fim da história, a luta contra o sentimento de não prestar pra nada nesse capetalismo infernal, júbilo escapista, ode à amizade, etc... de fato, é um universo mesmo. tem tudo pra todo mundo.

o arrebatamento que BTS nos proporciona é o encontro perfeito entre apolo e dionísio: a forma precisa, meticulosa encontra um conteúdo exuberante, intenso. não sei dizer quem é o meu favorito em cada line, todos são insanamente talentosos e competentes. mas se alguém me perguntar hoje, a minha resposta é: o suga é o meu favorito da rap line e o v, da vocal line**. todo mundo dança bem, não dá pra escolher um, desculpa.

eu queria ter um amigo neurologista que tirasse uma chapa do meu cérebro pré e pós-BTS. tenho certeza que os meus circuitos neurais agora são outros -- essa música mexe com o nosso hardware e software. Espinosa daria seu selo de aprovação porque ô coisa boa de escutar, viu! Só traz afetos alegres e espanta os tristes... BTS contra os maus encontros e a deterioração do corpo!

toda essa experiência me fez pensar em um ensaio da Ellen Willis ("Beginning to See the Light" contido no livro epônimo), sobre a contradição de ser uma feminista e gostar de rock (machista), que eu acho que se aplica ao BTS no seguinte sentido: sim, eles são produtos de uma indústria cultural hiper-capitalista tenebrosa; mas, de alguma forma eles conseguem quebrar com esse tipo de pop-neoliberal besta, eles rompem totalmente o consenso do realismo capitalista. "música tímida me faz me sentir tímida" ela disse; a subversão e diversão proporcionada pelo rock a faziam questionar e se rebelar contra o establishment, isto é, a própria contradição do rock subsidiava sua ação política, dava munição para lutar contra as opressões. BTS é isso, gente! a alegria, a excelência e a força do BTS reside nas contradições que perpassam sua música, no entanto, eles conseguem ir além delas e nos levam junto, ainda bem.

BTS é a flor no asfalto, é o grito de  "não!" para esse sistema corrupto e corruptor e é o "sim!" para o amor, a solidariedade e para esse novo mundo que, não se enganem, vai nascer. vai nascer porque ele já está , eu (ou)vi.

tem uma história muito fofa do DJ John Peel (BBC Radio 1) que conta que ele chorou quando ouviu "Teenage Kicks" do The Undertones pela primeira vez e a partir daquele momento, tocava duas vezes seguidas em todo programa. além de gostar da música, Peel admirava o fato daqueles meninos produzirem algo tão sublime em meio a tanta destruição e violência. chegava a ser subversivo o fato de que os Undertones produziram essa lindeza em uma Irlanda do Norte ocupada pelo exército britânico, com seus amigos morrendo ou matando, onde andar na rua não era seguro pra ninguém. nada te garantia uma segurança ou te protegeria de uma realidade em que você poderia ser sequestrado pelo exército ou morto por estar no lugar errado na hora errada (i.e. estar completamente à mercê de poderes coloniais arbitrários). é, soa terrivelmente familiar, né***. querer ser apenas um jovem e ir na casa do seu amorzinho para passar um tempo, apenas se deixar ser, diante daquelas circunstâncias horríveis, além de ser um desejo legítimo, era um exercício de prefiguração: não seria lindo um mundo onde todos**** os jovens pudessem estar seguros e em paz ao se encontrarem com o seu amorzinho? não terem nada pra fazer a não ser falar no telefone, beijar e dançar? é esse o mundo que eu quero. 

a OMS afirmou que a pandemia provoca(rá) um trauma tão grande quanto o da segunda guerra mundial. acho que as artes vão ter um trabalhão para elaborar tudo isso aí, mas uma coisa eu tenho certeza: os BTS vão produzir o álbum do século (pode vir! meu corpo está pronto!).

quando RM canta que ele quer nos consolar e nos dar força pra continuar, é muito difícil se render e cair no cinismo, achar que música pop não importa, que é tudo lixo. eu não consigo me entregar ao derrotismo -- eu realmente acredito nele e nos BTS também, dá pra sentir a sinceridade, o compromisso, o amor que eles têm pela música, pelos fãs. 

BTS destrói a presente irrealidade decrépita e cria outros mundos possíveis. depois desse post apaixonado é óbvio que estou falando pra largar tudo e ir escutar agora. aviso: não tem mais volta, mas, sinceramente, você jamais vai querer estar num mundo onde os BTS não te afetem.

a seguir o rol dos meus vídeos favoritos <3 <3 <3 <3









AVISO !!!! esse mv precisa ser visto com um desfibrilador do lado:




* só tive tal arrebatamento quando escutei grime, trap e 100 gecs pela primeira vez.

** atenção!!!! essa opinião não reflete, cof cof, os meus gostos na categoria "homens perfeitos". em tal quesito, eu sou namorada do JK e do RM [EDIT 07/06/2021: Teteco (V) virou o meu bias e o Yoongi (Suga) é o meu wrecker]. 

*** eu ainda não conseguir pensar direito sobre isso, mas baby da gal me dá essa mesma impressão que teenage kicks me dá. a dissonância cognitiva entre uma música bela e as condições de produção horríveis que, de alguma forma, penetram essa beleza e deixam alguns rastros. fica um post para outro dia.

**** aqui eu me inscrevo naquela velha estrutura de sentimento socialista internacionalista que quer liberdade, autonomia e dignidade incondicionais e irrestritas para TODO o mundo sem exceção.

domingo, 2 de maio de 2021

Nós, os dogmáticos

Não, eu não sou tolerante.

Não, eu não quero "debater" ou "dialogar" com liberais democratas, sofistas pós-modernos, comentadores, carnalistas, hedonistas, mencheviques, individualistas...

Não, eu não te respeito, nem te pedi respeito também.

Os defensores da tolerância, debate, diálogo e respeito fazem propaganda para suas credenciais burguesas com tanta advocacia.

Me desculpa, seus apologistas da exploração do trabalho, mas, não, eu não entendo como meu dever é dar espaço para o meu inimigo se expressar.

Vocês já têm o videodrome global, o judiciário, a polícia, o sistema psiquiátrico e os exércitos mais poderosos do mundo do seu lado. Se isso não é suficiente, vocês sempre podem se esforçar para construírem o seu próprio perfil e plateia para então fazerem um coro de aprovação para o seu mundano-infernal (Te daria muito trabalho, né? Pois é, foi o que pensei).

Não se iludam: différances, incomensurabilidade, jogos de linguagem, formas de vida, muito longe de desestabilizar o Sistema Operacional Dominante são o sistema operante propriamente dito. Zizek está certo sobre Rorty estar certo: apesar das aparentes picuinhas filosóficas, a conclusão política das teorias do Derrida e do Habermas (e presumivelmente o Lyotard também se encaixa aqui) é exatamente a mesma: a defesa de valores liberais como o respeito pelo Outro etc. etc.

Sim, eu quero deixar tudo isso para trás. Um dos escândalos no pensamento do Badiou é enunciar o extremamente óbvio: a diferença não é suprimida pela ordem estabelecida, é a sua moeda banal. Fragmentação, desconstrução, técnica cut-up são as coisas que fazem uma mediocracia*.

Então, sim, pode cuspir em mim, eu sou um dogmático.

Mas o que significa ser um dogmático?

Resumidamente, envolve o compromisso com a visão de que Verdades existem. Podemos adicionar a isso, a visão de que o Bom existe.

Não é à toa que, desde Kant, o racionalismo tem sido sinônimo de dogmatismo. Pós-Kant, nos acostumamos a visão de que a crítica ao invés do dogma é a única posição ética e filosófica possível, então “dogmatismo racional” soa como o pior xingamento imaginável.

Mas de onde vem esse ataque? Fundamentalmente, de quatro posições inter-relacionadas: autoritarismo, misticismo, egotismo e relativismo.

Longe de ser um equivalente do autoritarismo, como o doxa liberal o considera, o dogmatismo é a única alternativa efetiva ao autoritarismo. Autoritarismo e “formas de vida” pós-modernas se implicam mutuamente. A insistência familiar PoMo relativista de que não é possível nem desejável arbitrar entre diferentes reinvindicações éticas e ontológicas as tornando “incomensuráveis” e oriundas de “jogos de linguagem” acabam tornando a razão uma refém do misticismo. Diferente de outros sistemas racionalistas, que procedem de axiomas ou princípios existentes, essas “formas de vida” são incapazes de apontar para qualquer raciocínio que as dão fundamento. A mera existência de “comunidades discursivas” serve de justificativa para quaisquer tradições e crenças que tais comunidades possam aderir. Não é surpresa que o Espinosa era temido e vilipendiado pelas autoridades de todas as religiões estabelecidas, já que ele usava somente a razão para provar que a crença central na qual o teísmo tradicional se baseava – que existe um Deus pessoal, transcendente que faz milagres e tem livre-arbítrio – era uma bobagem irracional. Em outras palavras, foi o dogmatismo do Espinosa que lhe permitiu acabar com a “autoridade” da Torá.

Em termos da filosofia acadêmica contemporânea, o racionalismo é assediado não somente pelo misticismo poético nietzschiano-wittgensteiniano-lyotardiano, mas também pelo culto qualia da consciência. Essa “filosofia” substitui o mistério inefável de Deus com o mistério inefável da consciência. Consiste somente da declaração negativa de que a consciência não pode ser explicada pela ciência ou pela filosofia. Isso é uma religião no pior sentido.

Mas o dogmatismo é religião no melhor sentido. É somente pelo dogmatismo – uma subordinação implacável de seu Ser a um sistema impessoal – que sua majestade, o Ego, pode ser massacrado. Esse tem sido o apelo de religiões não-teístas ao longo das épocas. O Ego é simplesmente a autoridade em miniatura (assim como o autoritarismo político é o Egotismo em sua forma mais óbvia), um mini déspota que só pode ser chutado de seu trono por meio do comprometimento com uma sistematicidade sóbria.

Finalmente, é um erro opor dogmatismo ao pragmatismo. O pós-modernismo defende o pragmatismo em todos os níveis: não somente no nível de como as coisas podem ser feitas (o reino da práxis), mas também no nível do que deve ser feito. Porém, o dogmatismo é capaz de distinguir entre o que deve ser feito – qual é o objetivo – de como pode ser realizado.


Tradução minha. Espero ter feito jus ao tom do Fisher, que é mordaz, frio e preciso.

Camarada Fisher, presente!


Original: Fisher, Mark. We dogmatists. In: Fisher, Mark. K-punk: the collected and unpublished writings of Mark Fisher from 2004-2016. Edited by Darren Ambrose. London: Repeater Books, 2018. 

*mediocracia é de mediocracy, que seria tipo uma ditadura de centristas, de gente medíocre. pensa em um governo do Luciano Huck, para dar um exemplo perfeito.



 

 

sobre alienígenas, pirâmides e lagartos grandes

Mark Fisher já cantou a bola: a maioria das teorias da conspiração é uma expressão de solidariedade entre as classes dominantes. 

evidências: o 1% acumula mais da metade das riquezas produzidas pelo 99%? é porque, na verdade, eles são todos alienígenas dotados de poderes inimagináveis e por isso eles estão ganhando a luta de classes. os magnatas do petróleo são responsáveis por 70% das emissões de carbono? não, querido, o que importa é que a disney vai transformar os seus filhos em jihads do politicamente correto.

tá vendo onde o Fisher quer chegar? 

ao invés da gente se concentrar na abstração real que rege o nosso mundo (i.e. capital) caímos na cilada de explicações mirabolantes para situações (relativamente) simples. então, qual é o apelo? o que leva uma pessoa a acreditar em uma cabal de lagartos grandes judeus? ou o que faz uma pessoa acreditar que já que ela não pode mais secretar microfascismos a torto e a direito, criou uma fantasia de que isso só pode se tratar de um complô comunista-gayzista?

eu acho muito bizarra a criatividade dessa galera pro mal. tipo, de onde tiraram essa história do Foro de São Paulo? e do bilionário George Soros ser comunista e andar metendo o bedelho por essas bandas, querendo transformar países latino-americanos na URSS? e essa gente querendo a volta da ditadura porque os militares são tãããão competentes e o Brasil nunca esteve tão melhor sob a tutela precisa e segura deles? inserir aqui o gif do john travolta confuso, por favor.

o que eu quero com esse post é tentar esboçar algum tipo de explicação para a atual proliferação das teorias de conspiração. acho que pra começo de conversa a gente tem que considerar que elas oferecem uma narrativa (completamente desprovida de fatos ou base na realidade, mas vamos dar o beneficio da dúvida, ok?) relativamente consistente e coerente sobre a realidade.

eu nunca tive muito contato com muitas dessas teorias da conspiração per se, só a da terra plana (o meu ex-cunhado me mostrou um vídeo sobre isso em 2015, completamente sóbrio e lúcido, achando tudo aquilo plausível) e de anti-vacina (lá em 2014, nos meus dias de anarcoprimitivista eu assisti zeitgest com o meu ex no nosso bunker, cof cof, quarto e no doc dizia que o Bill Gates tava colocando chips nas vacinas ant-gripe. migues: eu morri de rir). Q-Anon, mamadeira de piroca, george soros, illuminati, isso tudo eu fiquei sabendo depois. 

o fato é que é muito gratificante ter nossos pontos de vistas reforçados e de se sentir 'do lado certo da história'. sinceramente, eu simpatizo de verdade com a galera que diante dessa loucura que está sendo o século 21 busca algum sentido nisso tudo. só que acontece que não existe esse tal de 'lado certo'. na real mesmo, a história é um rolo compressor e o jeito de frear esse caminhão desembestado é, hmmm, com uma revolução, por exemplo.

então, o que é uma teoria da conspiração? um delírio coletivo? um atalho para entender coisas complexas? uma narrativa sedutora preferível ao invés da realidade monótona e banal? nenhuma dessas coisas? todas essas coisas?

eu acho que a resposta* envolve questões de forma e de conteúdo, e graças aos insights do daddy freud e do daddy marx, envolve também questões de inconsciente e ideologia. vou primeiro discutir a forma/conteúdo, depois a gente rola na lama das formações inconscientes/ideológicas. eba!

vamos a forma! 

bom, acho que é muito simples. 

não estou dizendo isso para fugir da raia não, eu realmente acho que a narrativa dessas teorias são construídas da maneira mais simples possível. são didáticas basicamente, e a utilização de uma linguagem persuasiva acaba induzindo a crença no alvo de que ele é muito esperto e sagaz por ter chegado a teoria x e as demais pessoas que estão 'de fora' são idiotas. então, a linguagem usada (verbal/visual/sincrética) é para ser direta e clara, persuasiva e didática. 

acho que o encadeamento narrativo deve ser similar ao dos contos de fadas: 

apresentação do problema > caracterização dos vilões e evidências de sua malvadeza > exaltação heroica de um líder e descrição de seus feitos > conclusão.

agora, para esmiuçar mesmo esse componente da forma será preciso criar vários corpora para análise, mas não é esse o escopo desse post. sorry, não vou me sujar com essas coisas e causar uma úlcera nessa altura do campeonato analisando essas pirações, não senhor. talvez, outro dia.

outra coisa importante: acho que essas teorias são uma espécie de toca de coelho da Alice - quanto mais fundo você vai, mais surreal fica. isso também colabora para a criação da comunidade e da distribuição do saber (os 'iniciados', os 'especialistas', os 'líderes', etc., a tal da hierarquia no interior do grupo).

em relação ao conteúdo, também é tranquilo entender o apelo. com a forma acertada, você pode pirar o tanto que você quiser: pessoas-topeira vivendo em baixo de instituições públicas; lagartos gigantes CEOs; mamadeiras fálicas sendo distribuídas em escolas; cabais globais de pedófilos que se encontram em uma pizzaria etc. ah, dá para ir longe! essa teoria do Q-Anon por exemplo tá no nível da epopeia de gilgamesh, ilíada ou odisseia.** 

o interessante é que tanto na conspiração do Q, quanto na do complô comunista brazuca, temos a figura do herói: trump no primeiro, bozonazi no segundo. claro, né! repetindo: toda teoria de conspiração é uma expressão de solidariedade entre as classes dominantes. 

agora o bagulho vai ficar (mais) louco: vamos falar de inconsciente e ideologia, baby!

sobre o quinhão do inconsciente: acho que o principal mecanismo atuante numa conspiração é a paranoia. achar que tem um vilão oculto querendo te pegar expressa um verdadeiro mal estar em relação as forças "invisíveis" que regem as nossas vidas, que não é permitido dar vazão no cotidiano. então, podemos dizer que uma pessoa que acredita em alguma teoria da conspiração dá o passo certo na direção errada. penso também que se trata de uma forma de esquizofrenia coletiva, i.e. ver conexões em tudo, querer acreditar que tudo tem relação com tudo. na verdade, trata-se de uma condição cognitiva típica desses tempos de capitalismo computacional, a apofenia (ver padrões de informação diante de um conjunto absurdo de dados aleatórios repletos de ruído). 

sem dúvida, tem uma pitada de negação também: diante dos horrores cotidianos, essas pessoas não querem encarar a realidade - querem se proteger dela a qualquer custo. digo isso porque toda vez que você vai falar sobre as condições materiais reais*** com esse povo é igual falar com as paredes. 

vamos agora pra parte que dá trabalho: os componentes de natureza ideológica. no caso das conspirações, eu acho que o negócio fica complicado por causa da articulação perfeita entre  forma/conteúdo: a narrativa é tão básica e ao mesmo tempo tão persuasiva, o que torna essas teorias altamente insidiosas e sedutoras. é um verdadeiro coquetel motolov cognitivo que atordoa qualquer um. 

não adianta, gente: é próprio do terreno da ideologia ser pantanoso - é difícil discriminar e destrinchar uma realidade tão naturalizada. por isso que ideologia em mente dura, tanto bate até que fura, como já diziam os papis Marx/Engels. 

mas, voltando: por definição, as ideologias são representações, ideias e discursos que são controlados pela classe dominante para criar uma visão inversa da realidade material. 

exemplo 1: cê tá fodido na vida por culpa total e exclusiva sua, não porque a sociedade brasileira a.k.a. periferia do capitalismo global é estratificada em classes e já que você não é dono dos meios de produção, é obrigado a vender seu corpinho (e agora sua cabecinha/sentimentos/subjetividade) como força de trabalho. 

exemplo 2: o verdadeiro culpado pela sua miséria e empobrecimento total é a classe fdp de rentistas desgraçados que causaram a desindustrialização gerada pela financeirização da economia, i.e. dinheiro gerando dinheiro sem compromisso com a criação de empregos (que dirá decentes, graças a reforma trabalhista patrocinada pela FIESP, bando de parasitas morféticos). 

ufa! quase fiquei sem fôlego aqui. ódio de classe é o principal responsável pela asma nesse país, pode checar esse dado aí.

mas viu como a visão se inverte na ideologia? para os interesses burgueses a causa sempre é individual, para nós socialistas, a causa é sistêmica (burgueses, fachos ou não: seus dias estão contados, mu ha ha ha!). 

uma teoria como a do Foro de São Paulo, inverte totalmente a realidade material política da esquerda organizada (quem dera! queria muito): na verdade não há absolutamente nada de nefasto nessa associação e não há uma esquerda organizada internacionalmente. bom, não ainda, nunca é tarde, né galera? (tocando 'A Internacional' no fundo). é... triste realidade, mas não existe um complô comunista no brasil. 

em relação a loucura coletiva dos gringos-ianques, a teoria do Q distorce completamente como o complexo industrial-militar e o poder político/econômico realmente funciona nos estados unidos. as maquinações bélicas do deep state fazem parte de uma política que transcende partidos: sai republicano, entra democrata, as coisas continuam as mesmas (agora tá tocando essa música de fundo).

além dessas quatro dimensões (forma/conteúdo/ideologia/inconsciente) o caldo engrossa ainda mais se considerarmos que vivemos sob a condição digital. essa aí é a maior causadora de confusão mesmo. graças ao estágio atual da cibernética/internet/big data/whatever coletamos uma quantidade de informações sobre o mundo/pessoas/coisas sem precedentes, é de pirar mesmo. 

hoje a gente sabe muito sobre muita coisa, mas a gente não consegue fazer nada com esse conhecimento. é realmente broxante o estado de coisas da técnica/política sob o capitalismo computacional. não é a toa que as pessoas se agarram a teorias da conspiração. 

acho que a tese onze do Marx/Engels merece mais uma coisinha: já não basta interpretar e transformar o mundo, a gente tem que ser capaz de meditar/refletir sobre ele. ser bombardeado todo santo dia por gigas ou teras**** de informação sem nenhuma paz/descanso/distância não é jeito de se viver.

então, como resolver essa bagaça? 

em um artigo para a revista jacobin, a escritora e host do podcast Chapo Trap House***** Amber A'Lee Frost e o historiador Daniel Bessner recomendam tratar esse fenômeno como uma espécie de seita. ou seja, não é pra ficar negociando com terroristas, porque não adianta engajar essa galera. é dar o pé, pronto e acabou.

para terminar com alguma esperança, deixo aqui algumas dicas de como lidar com isso:******

1. Planeje sua fuga: não compensa o contato prolongado com gente desse tipo.

2. Procure ajuda externa: não hesite em pedir ajuda, solidariedade é boa e todo mundo gosta.

3. Seja assertivo com a sua recusa: avisa ao membro da seita que está te assediando que você não quer nenhum tipo de contato com isso, assim ela para de te tirar anos de vida com essas baboseiras.

4. Silêncio total: restrinja a comunicação o máximo possível, se você conseguir/puder.

só mais alguma coisinha: um pouco de desconfiança das narrativas hegemônicas é muito bom e faz bem pra pele. é aquela velha história do remédio/veneno: uma dose de paranoia******* é saudável, mas se te botar no caminho de reptilianos em altos escalões do governo, dê meia volta e fuja imediatamente!

bom...acho que é isso por hoje. outro dia eu faço um post resenhando Veyne/Pfaller pra explicar o porquê as pessoas acreditam nas coisas, se é que de fato acreditam nelas mesmo.

ah! antes de encerrar, só quero deixar registrado que pra sair dessa enrascada de vez não há outra alternativa a não ser o socialismo/comunismo. a barbárie está deflagrada desde 1492. 

sejamos realistas, demandemos o impossível.

bjos e tchau tchau <3


*o jornalista britânico Jon Ronson tem um livro maravilhoso chamado Them: adventures with extremists. recomendo muito, ele faz uma boa historiografia/etnografia dessas grandes teorias da conspiração e das pessoas que alimentavam/circulavam essas doideras. a conclusão do autor é que para o nosso psiquismo é muito conveniente culpar uma minoria pelos nossos problemas, quando na verdade todo mundo está implicado na criação dessa bagunça chamada sistema capitalista. a minha opinião é que somente a classe trabalhadora pode acabar com isso porque a gente não tem nada a perder mesmo, temos um mundo a ganhar (TOCA A INTERNACIONAL DE NOVO AÍ, PORRA!!!!). 

**aviso de sátira/paródia/trollagem: não estou equiparando esse surto coletivo com os clássicos da literatura mundial. ESTOU ZOANDO, pelo amor de deus.

***exemplos: ao tentar explicar como a elite brasileira se estrutura, a galera-gado SURTA - 'vai pra cuba' é vírgula/ponto final pra galera, né. não dá pra gastar saliva com eles mesmo.

****gente, acabei de descobrir que tera (T) significa monstro em grego. o golpe tá aí, só cai quem quer.

*****Felix Biederman, se um dia você ler isso: te amo, casa comigo.

******adaptado do livro The Worst is Yet to Come: a post-capitalist survival guide do Peter Fleming.

*******nas palavras do tio bill burroughs: "A paranoid is someone who knows a little of what's going on. A psychotic is a guy who's just found out what's going on.”

terça-feira, 20 de abril de 2021

fico feliz que esses vídeos existem no youtube

pra este post vou fazer diferente. 

quero dividir com vocês, leitores anônimos, o que me move, o que me sustenta, o que me dá alegria neste planeta cruel e lindo. nesta ocasião, vou arrolar os meus vídeos favoritos alocados no grande servidor do youtube. 

o critério de seleção é altamente subjetivo, basicamente são só vídeos que me divertiram, me fascinaram, que me deram um quentinho no coração. então, eles não foram escolhidos porque são históricos, relevantes ou esteticamente necessários - dessa vez não é sobre isso, rs.

os vídeos a seguir foram selecionados porque me trouxeram um arrebatamento, um profundo sentimento oceânico de completude com a humanidade. me fizeram pensar: 'que maravilhoso que isso aconteceu e foi capturado em vídeo'. 

SPOILER ALERT: vai ter um monte de vídeos de gente dançando. 

avisos dados, vambora com essa lista:


1. Suburban Lawns - Janitor

eu amo tudo nesse vídeo: o amadorismo, o nervosismo, a coragem, a esquisitice. o verso i guess everything is irrelative. ah!

sabe, eu tenho fases em que eu fico intensamente obcecada (lua em áries!!!!!!) com algum fenômeno cultural e depois desencano com a mesma facilidade (l-u-a  e-m  á-r-i-e-s): já perdi semanas com o punk, perdi anos com o pós-punk, horas com a cena gabber holandesa, com a guitarrada, com dub e recentemente com a pisadinha. esse vídeo é da época que eu estava viciada na cena punk de los angeles, em particular. o suburban lawns é envolto de mistérios, lançaram um disco e sumiram. quer dizer, não foi muito bem assim que aconteceu, mas de fato a banda não tinha altas pretensões, não queriam uma carreira longa. e eu acho isso lindo*. a vocalista tinha 16 anos na época desse vídeo e parece que tem uma galera que quer saber por onde ela anda. enfim, eu acho incrível que essa banda existiu. 


*me perguntem se eu acho que o sex pistols devia ter lançado um disco. minha resposta é: NÃÃÃÃO!!!!


2. Passinhos dos anos 80 e 90


minha missão nesta terra é encontrar vídeos dos chamados 'passinhos'. dançar é uma coisa que eu amo fazer mas sou terrível (não estou sendo fofa e modesta, eu danço esquisito bagarai). dancinhas coordenadas e da moda são a minha kriptonita, amo amo amo. a ideia de uma boate inteira dançando de maneira sincronizada e em perfeita sintonia...é mágico. 


3. Jesus and Mary Chain North London Poli Riot


musicalmente, a década de 1980 no norte global foi horrível. credo. eu amo esse vídeo porque ele captura um momento de transição na cena musical britânica - o punk tinha implodido, pós-punk definhado e ainda não tinha acontecido as raves -, jesus and mary chain foi fundamental para dar um susto nas pessoas, acabar com a complacência do pop thatcherista da época. eles eram sujinhos, antissociais e muito, mas muito barulhentos. o que me fascina neste vídeo é a arrogância, os tiques causados pela cocaína, a raiva das pessoas. é bem dadaísta delícia.


4. Talking Heads @ Mudd Club, NY 1979



aaaaah! deus abençoe esta alma caridosa que liberou esse vídeo. eu quero morar nele. eu lutaria contra exércitos por ele. enfrentaria desertos e oceanos por ele. que bosta que viagem no tempo** não existe, serião. mais do que a própria banda, eu gosto da energia da plateia, tipo, quem são esses alienígenas, saca?! por onde andam essas pessoas? o que será que aconteceu com elas? será que elas estão vivas? será que são felizes? 


** cidades que gostaria de morar de acordo com as décadas: 1960: londres; 1970: los angeles; 1980: nova iorque; 1990: são paulo; 2000: berlim.


5. Gaiola das Popozudas - Agora eu sou solteira

o jeito que a Valesca desliza pelo palco, com um sorriso na cara, dançando e cantando simplesmente acaba comigo. eu nem consigo colocar em palavras o quanto eu queria ser esse vídeo. eu tô fazendo terapia para me transformar na Valesca e ser igual a ela deslizando alegre e tranquila pela vida e é isso.


6. Dance Yrself Clean live


se na revolução eu não puder dançar Dance Yrself Clean, EU NÃO QUERO FAZER PARTE DESSA REVOLUÇÃO. ponto. esse vídeo captura um fim. um fim que na verdade é um começo. o começo do interregno. pode reparar: depois desse vídeo*** deu tudo errado (é de 2011, *risos sem graça*). mas, apesar de ser intenso e meio melancólico e meio perturbador eu o amo profundamente, queria pular com geral e exorcizar uns demônios pessoais aí. 


***quem não aguentar até os 5:20 não merece os minutos restantes.


7. The Cramps - Tear it Up @ Urgh! A Music War


tese: lux interior (o vocalista) é o Dionísio encarnado. sem mais.


8. Fugazi - Suggestion, 1991


meus abraços calorosos a todos os straight-edges por aí. ceis são uns fofos, nunca mudem. bom, eu amo essa música e particularmente gosto dessa performance porque é catártico pra mim. a Livia de 15 anos agradece a existência desse vídeo. essa banda podia ser a nossa vida. vale a pena ver por causa da galera toda no palco, sem hierarquia, com uma vibe de comunhão e comunidade. sim, amo ciranda, tá.


9. Nina Simone and Emil Latimer - Black is the Color of My True Love's Hair, 1969


não consigo descrever o quanto eu amo esse vídeo. eu me arrepio toda vez que assisto, como se fosse a primeira vez. é uma das coisas que testa meu ateísmo, sabe? muito difícil não acreditar no divino depois de testemunhar tal maravilha. mas não é esse o barato do ser humano? a gente inventa deuses para explicar o tanto que a gente é foda, como a gente é capaz de coisas mágicas e estonteantes. 


10. 1990s Drum and Bass Club, People Dancing With the Lights On


eles só pensam em dançar, dançar, daaançaaar. não é precioso que ninguém queria ir embora, as luzes se acenderam e todo mundo continuou dançando? gente! eu choro****, sério.


**** canceriana aqui, não preciso de muito para chorar não. manteiguinha derretida 4life.


BÔNUS BÔNUS: 1989 Illegal Acid House Rave, em algum lugar do Reino Unido


falei que praticamente só ia ter vídeo de gente dançando nesse post, vocês foram avisados, lavei minhas mãos. 

e o que dizer sobre esse? é essa a cara da democracia socialista, bebê. 

minha utopia é essa: todo mundo dançando, com todas as seguranças materiais básicas e dignidade garantidas, cercados de beleza.


é só isso por hoje, pessoal. tchau tchau <3

segunda-feira, 12 de abril de 2021

não deixe a crítica morrer, não deixe a crítica acabar

eu estou irritada com um certo tipo de discurso sobre a cultura e resolvi inaugurar este blógui com um post sobre isso.

vamos lá, então. 

me preocupa muito a miséria da crítica atual, em outras palavras, eu estou convencida de que há um movimento de neutralização de qualquer tipo de negatividade, de qualquer tipo de mal estar com a cultura pop. 

não está satisfeito com o novo filme da Mulher Maravilha? buuuu, sem graça, cê não entende de nada. tá achando que as músicas andam muito repetitivas e mornas? sai daqui sua adorniana sem graça.

o que se segue é uma tentativa de compreender o porquê não se pensa criticamente a cultura pop ultimamente, vindo de uma pessoa que vive pra isso, que não consegue conceber um mundo sem o pop. uma pessoa que tem como crença fundamental o seguinte: uma vida sem o novo single da charli xcx ou sem 'paid in full' do eric b. & rakim não vale a pena ser vivida. portanto, é crucial que o debate crítico dessa forma seja engajado e interessado, e que a crítica é um tipo de linguagem de amor. eu critico porque eu ligo. 

vamos delimitar os termos do debate primeiro. vou começar com a minha concepção de cultura pop, depois o que entendo por crítica e vou tentar te convencer que tudo isso importa. 

eu me criei com a mtv. citando a fala daquele doido do 'o pentelho': a mtv era a minha babá. me lembro distintamente de assistir o clipe de 'heart of glass' e pensar que a debbie harry era a mulher mais linda do mundo; de escutar 'how soon is now' e ficar confusa e com medo* daqueles sons, mas ainda sim fascinada. queria me perder naquele universo musical, passar o dia inteiro só sentindo as palavras, as vozes, os ritmos, as melodias. eu achava que a música podia mudar o mundo, afinal tinha mudado o meu. sempre gostei dos comentários dos críticos, de documentários que contextualizavam os artistas e os álbuns. como o disco 'nevermind' foi uma ruptura com o passado do rock, mas não poderia existir sem ele. como 'anarchy in the uk' abalou o reino unido e quase rompeu o tecido social daquela cultura. como 'the message' foi uma revolução musical que alterou profundamente a indústria fonográfica. o pop é, desde que o conheço, uma força de mudança. é moderno ou não será. 

aviso: não estou passando pano para as condições de produção e de circulação da música pop, muito menos tirando o das gravadoras da reta. nem estou implicando que o pop é revolucionário politicamente, muito pelo contrário. mas, segura esse raciocínio aí.

mais tarde, já tendo lido lester bangs, ellen willis, greil marcus, simon reynolds e tantos outros mais, eu me convenci de que sim, a música pop importa e transforma vidas. mas não quero que vocês interpretem que estou dizendo que a música pop, por si própria, tem o primado da subversão - não, não tem a ver com isso. eu acho que ela canaliza energias libidinais, e que ao fazer tal coisa pode ser um veículo ou uma aliada importante na criação de outros mundos. vide essa análise maravilhosa. 

o fazer político é de outra ordem, é outro trabalho. trabalho quase que ingrato porque é lento, é chato e envolve o empreendimento em ações coletivas que assustam o nosso psiquismo. a música pop não faz e nem deve fazer esse trabalho político de análise, de organização e de transformação. mas ela pode ser a fagulha desse desejo de emancipação. 

o argumento daí de cima não é só meu. vem da grande e saudosa ubercrítica ellen willis que diz o seguinte em Sex, Hope and Rock and Roll: 

Implicit in the formal language of mass art is the possibility that given the right sort of social conditions, it can act as a catalyst that transforms its mass audience into an oppositional community.

i.e. criticar é canalizar, dar coerência, dar sentido ao que a música veicula. o papel da crítica é de interpretar e contextualizar o que essa forma está fazendo no mundo, quais são as forças que ela mobiliza, que desejos estão sendo suscitados, - o que esta música diz sobre o nosso mundo? o que ela faz nesse mundo?

agora, se não tem a possibilidade de articular essa escuta e de debater todas essas coisas, como é que a gente vai saber o que está acontecendo? como vamos elaborar coletivamente quem somos nós e para onde estamos indo? 

eu acho que a resposta está entre as condições técnicas contemporâneas que, por sua vez, condicionam as possibilidades sociais e culturais. isso se desdobra em: i) o que está faltando em nossa cultura hoje é a tal da negatividade, é alguém chegar e dizer o que está errado, o porquê está tudo uma merda. só a crítica é capaz de articular essa negatividade, esse NÃO ESTÁ TUDO BEM NÃO, TÁ; ii) a maioria do consumo de bens culturais hoje se dá por meio de plataformas a base de algoritmos do tipo 'se você gosta de x, então y' o que francamente me causa espanto que o sistema não colapsou. às vezes já colapsou e a gente nem viu, né, tem isso. é impossível o funcionamento de uma cultura pop fundamentada somente no que se gosta, sem a oposição, sem a fricção, sem o choque do novo. o pop saudável tem que incomodar, tem que assustar.

francamente, como assim se eu gosto de nick cave eu tenho que ouvir tom waits? se eu escuto nick cave é ÓBVIO que eu escuto tom waits. quando eu vou no youtube tenho uma agonia porque os vídeos recomendados são só de coisas que eu conheço ou já escutei. parece que há uma parede invisível entre todas as outras alteridades musicais possíveis e os sons altamente familiares e enfadonhos. fora o branco que dá na gente ao pesquisar alguma coisa. credo, que inferno.

ó deus, me liberte da tirania de ter meus gostos reforçados continuamente! 

não existe mais aquela terra sem lei do youtube em que você escutava tangerine dream, depois era sugerido vashti bunyan, depois zia atabi e depois zé ramalho. isso não existe mais. é tudo blé. como o novo pode surgir nesse cenário monstruoso?

por isso a crítica é necessária: alguém vai ter que dar voz a esse mal estar cultural e dar sentido às irrealidades que estão se desdobrando diante de nós. eu imploro: não deixe a crítica morrer, não deixe a crítica acabar; o pop foi feito de crítica, de crítica para a gente criticar.


* a autora também morria de medo do chico science, do gene simmons do kiss e desse clipe do u2.

músicas do BTS como conceitos de Mark Fisher: sim, eu estou doida

Imagens reais de um simpósio sobre como BTS destruiu o pop imperialista. Universidade de Goldsmiths, Londres, 2022. Desde que eu cai no bura...